28 Mar 2018 | HRS

Folha de pagamento é o grande problema da gestão fiscal pública, diz Ana Carla Abrão Costa na ACSP


Ana Carla Abrão Costa está numa missão para modernizar a máquina pública brasileira. Economista de formação, foi secretária da Fazenda de Goiás de 2015 a 2017 sem nunca ter visto antes um orçamento público na vida. É hoje, contudo, uma das principais vozes no combate à ineficiência do Estado e na redução de despesas com o funcionalismo público. Na manhã de ontem (26/3), ela fez uma palestra sobre esses assuntos em reunião do Conselho de Economia da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

A história de Ana Carla na vida pública começou em 2014, quando ajudou a então candidata à Presidência da República Marina Silva na elaboração de diretrizes econômicas em relação ao mercado de crédito. No segundo turno, colaborou com o programa do também candidato Aécio Neves.  

Pronta para retomar sua carreira na iniciativa privada, a economista recebeu um convite do governador de Goiás, Marconi Perillo, para assumir a Secretaria da Fazenda. Detalhe: microeconomista bancária a vida toda, com carreira feita entre o Rio de Janeiro e São Paulo, não havia tido experiência com orçamento público, ainda mais um estadual. Goiana de nascença, porém, aceitou o desafio. “Eu não conhecia os dados de Goiás, foi um desafio. E havia um alinhamento ideológico com o PSDB, que fazia sentido para mim”, disse ela durante a palestra, deixando claro que sua missão era bem definida: fazer o ajuste fiscal no estado.   

Aprendizado

Assumiu em 1º de janeiro de 2015. Menos de um mês depois, analisando as contas estaduais, percebeu que faltavam R$ 200 milhões para pagar a folha de pagamento. A solução, para Ana Carla, era uma só: o salário dos servidores seria atrasado naquele início de ano. No que o governador respondeu: “Essa possibilidade não existe”. A solução foi atrasar o pagamento dos fornecedores.

“Tem todo um processo de gestão fiscal que é muito difícil. Mas ficou para mim um aprendizado muito claro: dependemos só de Brasília para que as coisas funcionem nos entes subnacionais, que têm mecanismos de ajustes que podem ser implementados desde que se tenha vontade política, liderança e um Congresso local que entenda a gravidade da situação”, analisou a ex-secretária, ressaltando que o caso de Goiás é emblemático, visto que ele representa a média dos estados brasileiros e não é um “colapso completo” como o Rio de Janeiro, e nem está numa situação tão boa quanto São Paulo, Espírito Santo, Ceará e Alagoas.

Gestão de pessoas

Após a experiência em Goiás, Ana Carla virou sócia da Oliver Wyman, consultoria com sede nos Estados Unidos que tem orientado governos no mundo todo na adoção de soluções fiscais para gerar receitas e reduzir despesas. Paralelamente, trabalha com o economista Armínio Fraga para elaborar uma agenda federal que caminhe no mesmo sentido.

Na avaliação de Ana Carla, o grande problema da gestão fiscal pública se resume a um tema: folha de pagamento. “Não existe planejamento, não existe investimento, não existe outro tema em 90% dos entes”, comentou, fazendo a ressalva de poucos lugares ― como Niterói, Pelotas e Jundiaí ― “em que as administrações discutem planejamento”. 

“O Brasil perdeu ― se é que já teve ― a capacidade de planejar”, reforçou. A economista frisou que a melhoria da máquina pública resulta em maior qualidade dos serviços públicos. Educação, saúde e segurança, disse Ana Carla, tornam-se especialmente importantes em épocas de recessão, particularmente para a população de menor renda.

A principal medida é acabar com a estabilidade no funcionalismo e criar uma cultura de gestão de pessoas no setor público, com conceitos amplamente difundidos no setor privado. “Temos uma massa de pessoas, tivemos uma quantidade enorme de concursos, e não há gestão de pessoas, não há meritocracia, não há gestão de performance, não há demissão”, alertou.

Ela deu como exemplo uma auditora fiscal presa por extorquir contribuintes, na época em que Ana Carla estava no Executivo goiano. “Assinei a exoneração dela. No dia seguinte, recebi uma notificação judicial de que eu deveria reintegrá-la e afastá-la sem prejuízo dos vencimentos até que o processo fosse transitado em julgado”. Hoje a servidora, que tem menos de 40 anos, acaba de ser aposentada por invalidez e ganhará aposentadoria mensal de R$ 30 mil pelo resto da vida. Em outro caso, uma servidora que há 17 anos está afastada por licença maternidade recebeu, nesse tempo, R$ 13,5 milhões dos cofres públicos.

“Nós temos, em Goiás, 6,6 milhões de contribuintes, que pagam seus impostos e geram a receita que o Estado arrecada, mais as transferências, que no caso de Goiás não são tão relevantes assim; 155 mil servidores públicos se apropriam de 78% dessa receita que é gerada por 6,6 milhões de pessoas. É uma máquina que se justifica por ela própria. Não há nada mais do que isso”, contabilizou a economista.

Para acabar com esse problema, Ana Carla propõe 24 iniciativas de âmbito local que em quatro anos podem reduzir em 33% os gastos dos entes subnacionais com pessoal, sendo que 65% dessas ações necessitam de mudanças nas leis, mas 35% envolvem revisão de procedimentos internos, como adoção de critérios mais rigorosos. “O Estado de São Paulo gasta R$ 300 milhões de bônus, vinculados a uma avaliação em que 100% dos servidores são medidos e 100% dos servidores atingem a nota máxima”, disse ela.

O coordenador do Conselho de Economia/ACSP, Roberto Macedo, definiu que Ana Carla ofereceu “quase uma reforma do Estado, que creio eu o próximo presidente vai ter que enfrentar logo que chegar. O governo está gastando quase tudo que arrecada com o pessoal, e isso sacrifica a prestação de serviços”.

 

Fonte: ACSP

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