27 Set 2017 | HRS

Depois da Recuperação Econômica


Não resta dúvida de que a economia brasileira está, por fim, saindo da pior crise de sua história. A redução da inflação, recompondo o poder aquisitivo das famílias, unida à melhora das condições de crédito, começa a recuperar o varejo, principalmente sua definição mais abrangente (varejo ampliado), que inclui veículos e material de construção.

No caso da indústria, a retomada tem sido relativamente mais rápida, impulsionada pela produção orientada às vendas no mercado externo, resultado da internacionalização de alguns de seus subsetores, num contexto de maior crescimento da economia mundial, e, em particular, da Argentina.

A agropecuária, beneficiada por uma safra recorde, produto de um clima mais favorável, é o setor que apresenta a maior expansão, mostrando importante crescimento de sua produtividade. Desse modo, é perfeitamente factível esperar, como o faz a maioria dos analistas econômicos, modesto crescimento econômico para o presente ano, e um aumento do PIB mais “robusto” para 2018.

Contudo, pelo lado da despesa, principalmente no que diz respeito ao consumo, existem evidências de que tenha havido uma mudança estrutural no seu comportamento, o que significa que este se recuperará, porém com tendência a permanecer em patamares inferiores aos alcançados em 2010.

As prováveis causas desse “novo normal” seriam o fato de que o desemprego ainda deverá permanecer, por um tempo, em níveis elevados, reduzindo a disposição a comprar. Além disso, o crédito deverá, aos poucos, mostrar maior crescimento, porém, menor do que o observado no período anterior à crise, quando se expandiu, partindo de uma base inicial abaixo do normal para um país emergente como o Brasil. Outro fator que pode pesar é a mudança de hábitos de consumo que ocorreu durante o ciclo recessivo, direcionando as compras para itens de menor valor.

Devido à grande deterioração da situação fiscal, tampouco se poderia esperar que o consumo de governo, baseado nas despesas com servidores, ou até o investimento público em infraestrutura, possam compensar o menor nível de gasto privado, como ocorreu em outras ocasiões. 

Se aspiramos que o País possa aumentar sua capacidade de crescimento econômico de forma sustentada, é mister que este, daqui para diante, esteja baseado nas elevações tanto da produção como da produtividade do setor privado. Para isso, será imprescindível a reconstrução e ampliação da combalida infraestrutura, além de prosseguir com as reformas estruturais nos campos tributário, trabalhista, educacional e previdenciário, para reduzir o “custo Brasil”, recuperando a competitividade perdida em tantos anos de erros de política econômica.

Análise da Conjuntura

1. Moeda, Crédito e Inflação

Dados do Banco Central mostram que, nos últimos 12 meses terminado em julho, o crédito começa a se recuperar, porém de forma lenta, com alta de 2,9%, pouco acima da inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, registrada para o período (2,7%).
Em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (COPOM) decidiu, mais uma vez, reduzir a taxa básica de juros (SELIC) para 8,25% ao ano, menor nível após quatro anos, sinalizando que poderia continuar com esse ciclo de redução, porém diminuindo sua intensidade.
Em agosto, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IPCA registrou aumento de 0,19%, abaixo das expectativas de mercado, reduzindo ainda mais o resultado acumulado em 12 meses, que alcançou a 2,46%, afastando-se progressivamente do limite inferior da meta de inflação para 2017 (3,0%). A “supersafra” agrícola, a fraca demanda e a recuperação da credibilidade na política monetária contribuíram para esse resultado.

 

2. Atividade Econômica e Emprego

O Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre do ano, também segundo o IBGE, apresentou alta de 0,2%, em relação aos três meses imediatamente anteriores, livre de influências sazonais. Na comparação com o mesmo período do ano passado, o aumento foi de 0,3%, surpreendendo positivamente as expectativas de mercado, destacando-se, do lado da oferta, a agropecuária e o comércio, cujas expansões foram 14,9% e 0,9%, respectivamente, enquanto, pelo lado da demanda as exportações cresceram 2,5%, compensando, em parte, a queda dos investimentos produtivos e em infraestrutura (-6,5%).

Em julho, de acordo com o IBGE, a produção industrial aumentou em 2,5%, ante o mesmo mês de 2016. Destacam-se as altas dos bens de capital (8,7%) e dos bens de consumo duráveis (8,1%), com veículos aumentando em 11,8%, grande parte em decorrência do avanço das exportações. Também houve resultados positivos, na mesma base de comparação, para informática e eletrônicos (23,8%) e móveis (12,8%), mostrando o início da reação do mercado interno aos menores juros.

Em igual mês, novamente segundo o IBGE, continuou havendo aumento tanto do varejo restrito (que não inclui veículos e material de construção), como do ampliado (que inclui todos os segmentos), em relação a julho do ano passado (3,1% e 5,7%, respectivamente). Os aumentos mais significativos corresponderam, mais uma vez, a móveis e eletrodomésticos, material de construção e veículos (12,7%, 11,0% e 6,5%, respectivamente), possivelmente refletindo a melhora das condições do crédito, advinda da redução da taxa básica (SELIC). No acumulado do ano, os dois tipos de varejo passaram a mostrar expansão (0,3% e 1,1%, respectivamente), enquanto em 12 meses continuou a haver contração de menor intensidade (-2,3% e -2,8%, respectivamente), em relação ao registrado na leitura anterior (-3,0% e -4,1%, respectivamente).

Ainda de acordo com o IBGE, o setor serviços novamente recuou em julho, ante igual mês de 2016 (-3,2%). Contribuíram para essa nova retração os serviços de pessoas físicas prestados a empresas (-7,8%), outros serviços (-11,6%) e turismo (-5,0%), devido aos efeitos negativos da alta taxa de desemprego. Por outro lado, refletindo a excelente fase do setor agrícola e a recuperação do poder de compra dos salários, respectivamente, houve aumento dos serviços de transporte e armazenagem (3,0%) e serviços prestados às famílias (1,5%). Em termos do resultado acumulado nos últimos 12 meses, o setor apresentou redução de atividade (-4,6%), praticamente igual ao observado em junho, mantendo-se a mesma base de comparação (-4,7%).

Dados da ACSP/BVS, com base nas consultas efetuadas durante o período janeiro/agosto, sobre o mesmo período de 2016, registraram quedas de 1,3% nas compras parceladas e 1,1% nas compras à vista, porém menos intensas que as observadas nos primeiros sete meses do ano. A confiança do consumidor, medida pelo Índice Nacional de Confiança (INC), calculado pelo IPSOS para a ACSP, apresentou, em agosto, leve aumento (1,6%) em relação ao mês anterior. A incerteza política é o principal fator que afeta igualmente todas as regiões e classes, impedindo recuperação mais vigorosa da confiança. Cerca de 60% dos consumidores entrevistados se sentem inseguros no emprego e 71% são avessos a compras parceladas.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgada pelo IBGE, a taxa de desemprego, em julho, mostrou nova queda em relação ao mês anterior, alcançando a 12,8% da força de trabalho. Os dados sugerem que a desocupação pode ter atingido seu “pico” no primeiro trimestre, embora esteja mais elevada que no mesmo mês de 2016. A massa de rendimentos, que representa a renda das famílias auferida no mercado de trabalho, apresentou elevação de 3,1% (0,2% na ocupação e +3,0% nos salários).

A taxa de inadimplência da pessoa física, medida pelo Banco Central, se manteve estável em julho, em relação a junho, alcançando a 3,9% da carteira. A recuperação lenta do crédito e a menor disposição a tomar empréstimos continuam mantendo sob controle os atrasos nos pagamentos. Por sua vez, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR), que funciona como prévia do Produto Interno Bruto (PIB), registrou, em julho, aumentos na comparação interanual (1,4%) e no acumulado do ano (0,14%), enquanto em 12 meses ainda se verificou queda de 1,4%, inferior à registrada no mês anterior, na mesma base de comparação (-2,0%).

Em síntese, os dados disponíveis no primeiro semestre sinalizam o fim da recessão econômica, com recuperação lenta da atividade durante o resto do ano, em função da continuidade da redução da taxa de juros básica por parte do Banco Central, assegurada pela desaceleração da inflação oficial (IPCA).

 

3. Finanças Públicas

A situação das contas públicas brasileiras continuou se deteriorando em julho. Segundo dados do Banco Central, o Governo Consolidado (União, Estados, Municípios e Estatais) apresentou déficits primários (excessos de despesas sobre receitas, antes do pagamento de juros) recordes para o mês (R$ 16,1 bilhões) e para o acumulado do ano (R$ 51, 3 bilhões). Em 12 meses, o resultado negativo também foi muito expressivo, alcançando a R$ 170, 5 bilhões (2,7% do PIB), superando o déficit anotado em junho, na mesma base de comparação (R$ 167,2 bilhões, equivalentes a 2,6% do PIB).

Como sempre, o grande “culpado” pela deterioração foi a Previdência, cujo “rombo”, entre janeiro e julho, segundo o Tesouro Nacional alcançou a significativa cifra de R$ 96, 4 bilhões, mais do que compensando o resultado positivo (superávits) do Tesouro Nacional, que correspondeu a R$ 28,1 bilhões. O problema estrutural é a continuidade do crescimento das despesas, em sua grande maioria obrigatórias, acima da arrecadação fiscal, afetada negativamente pela lentidão da recuperação econômica e até mesmo pela redução da taxa de inflação. Durante os primeiros sete meses do ano os gastos do Governo Central (Tesouro Nacional, Banco Central e INSS) aumentaram em 3,8%, enquanto as receitas líquidas se elevaram em apenas 0,9%, sem corrigir pela inflação anotada no período.

O resultado poderia ser ainda pior se não fossem os resultados positivos (superávits) acumulados ao longo do presente ano pelos governos estaduais e municipais (R$ 16,3 bilhões) e pelas empresas estatais, exceto Petrobras e Eletrobras (R$ 1, 1 bilhão). Também deve ser considerado o esforço de contingenciamento do Governo, embora, face ao “engessamento” do orçamento público, se concentre na redução de investimentos, principalmente em infraestrutura, que já alcançam a 35% em relação a igual período de 2016.

As reduções da taxa básica de juros (SELIC) já começam a diminuir o pagamento dos juros da dívida pública, que recuou de 6,89% do PIB nos últimos 12 meses terminados em junho para 6,69% do PIB no resultado acumulado de julho. Esse recuo mais do que compensou o maior déficit primário, promovendo uma queda do déficit nominal, que resulta da soma de ambos, de 9,5% do PIB para 9,3% do PIB, nos 12 meses até junho e julho, respectivamente. O nível desse “rombo” fiscal total, contudo, permanece bastante alto para os padrões internacionais, pondo em dúvida a solvência das contas públicas no médio prazo, pois obriga o Governo a elevar cada vez mais seu grau de endividamento que, entre junho e julho, passou de 73,1% do PIB para 73,8% do PIB.

A situação fiscal brasileira continua muito preocupante, pois, além dos impactos adversos do desemprego e da lenta retomada da atividade sobre a arrecadação, persiste o desequilíbrio estrutural ditado pelo aumento das despesas obrigatórias, estimadas em 97% do total pelo Ministério do Planejamento, que ocorre independentemente do desempenho da economia.

O Governo ainda espera obter receitas extraordinárias com as concessões, principalmente com a venda do Aeroporto de Congonhas e com os leilões de usinas hidrelétricas, além do novo programa de parcelamento de dívidas tributárias (REFIS) e da utilização de precatórios não sacados do sistema bancário por parte de seus beneficiários. Todavia, é bastante provável que haja nova frustração com essas receitas não recorrentes, frente a um cenário político permeado por incertezas, que fazem diminuir a probabilidade de que a reforma da Previdência seja aprovada. Isso coloca em dúvida a viabilidade da Emenda Constitucional nº 95, que estabelece o “teto” para o crescimento das despesas públicas federais, pois a continuidade do crescimento dos dispêndios da seguridade social poderá, dentro em breve, retirar o espaço mínimo para os gastos com serviços básicos, tais como saúde e educação.

O próprio Governo, na voz da Secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, reconhece a dificuldade em cumprir a meta fiscal anual para o Governo Central, recentemente elevada para um déficit primário de R$ 159 bilhões. A visão do mercado, segundo o Relatório Prisma Fiscal da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, divulgado em setembro, resume bem a situação: se nada der errado, o excesso de despesas não financeiras sobre receitas será exatamente igual à meta anterior. Ou seja, não há nenhuma “folga” para que se alcance essa meta.

 

4. Setor Externo

O comércio exterior brasileiro continua surpreendendo pelos resultados que estão sendo alcançados neste ano. Em agosto, a balança comercial registrou um superávit recorde para o mês, no valor de US$ 5,6 bilhões, como resultado de exportações de US$ 19,5 bilhões menos importações de US$ 13,9 bilhões. Esses números permitiram acumular um saldo positivo de US$ 48,1 bilhões nos primeiros oito meses do ano, o maior já alcançado para o período, inclusive superior ao registrado em todo o ano passado, de US$ 47,7 bilhões.

A “supersafra” agrícola e o cenário externo favorável, que impulsionou os preços das commodities, especialmente do minério de ferro, puxados pelo crescimento da China, explicam boa parte desse superávit comercial. Entre janeiro-agosto deste ano, os embarques (US$ 146,0 bilhões) aumentaram 18,1% em relação ao mesmo período de 2016, enquanto que as compras no exterior (US$ 97,8 bilhões) cresceram menos, 7,3%, devido ainda ao frágil desempenho da demanda doméstica.

Em agosto, aumentaram as vendas externas dos três grandes grupos de produtos, que anotaram os seguintes valores: básicos (US$ 9,0 bilhões), manufaturados (US$ 7,3 bilhões) e semimanufaturados (US$ 2,8 bilhões), com expansões de 24,2%, 9,7% e 3,4%, respectivamente, em comparação com agosto de 2016. Entre os produtos básicos destacaram-se as exportações de soja e milho, cujas toneladas embarcadas no mês e no acumulado do ano foram os maiores volumes registrados nesses períodos. A “supersafra” da soja permitiu que o volume exportado do produto em apenas oito meses superasse qualquer dos resultados alcançados nos doze meses dos anos anteriores, conforme dados divulgados pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais.
O petróleo em bruto, o minério de ferro, a carne de frango e a carne bovina também tiveram grande participação no aumento de vendas, tanto em agosto como no total do ano. Somente no mês, foram exportadas US$ 521 milhões de carne bovina, um incremento de 48,6% sobre agosto de 2016, o que indica forte recuperação nas vendas externas, apesar de parcialmente prejudicadas pela “Operação Carne Fraca”, que investiga possíveis fraudes ocorridas na fiscalização sanitária do produto.

No caso dos manufaturados, destacaram-se as exportações de automóveis, US$ 642 milhões em agosto e US$ 4,4 bilhões no acumulado do ano, seguidas pelas vendas de aviões, de US$ 367 milhões e US$ 2,3 bilhões, respectivamente, nos mesmos períodos. As vendas externas de automóveis, veículos de carga e autopeças são as principais responsáveis pela atual expansão do setor automotivo no país, após passar por longo período de retração comercial.

Pelo lado das importações, cresceram as compras de combustíveis e lubrificantes (56,6%), bens intermediários (4,8%), bens de consumo (1,0%). A novidade é o aumento de 6,6% na aquisição de bens de capital, que registra resultados negativos desde o primeiro semestre de 2016. Todavia, ainda é prematura qualquer conclusão sobre possível recuperação do nível de investimentos, condição essencial para o futuro crescimento do país. Os saldos robustos da balança comercial, apurados nos últimos dois anos, reduziram bastante o déficit das transações correntes do país. Essa conta, que consiste na soma das exportações menos importações de bens e serviços, apresentou um saldo negativo de US$ 2,7 bilhões no acumulado entre janeiro e julho deste ano, contra um déficit de US$ 12,4 bilhões, no mesmo período de 2015.

Entre os maiores gastos líquidos com serviços prestados e recebidos pelo país, nos sete primeiros meses do ano, destacaram-se as despesas com aluguel de equipamentos (US$ 10,0 bilhões), transportes (US$ 2,5 bilhões) e viagens internacionais (US$ 7,2 bilhões). Nesse último caso, a menor taxa de câmbio estimulou os gastos de turistas brasileiros em viagens para o exterior, resultando em acréscimo de 68% em relação ao saldo negativo ocorrido no mesmo período de 2016.

 

FONTE: Instituto de Economia - Gastão Vidigal – Boletim de Conjuntura (Agosto - 2017)

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